Para Juliana Ciesielski
Era café requentado, maçã em uma mão e meio cigarro mentolado. Billie Holiday chorosa ao fundo, pés no sofá... Mente vazia da noite passada. Uma foda mal dada. Pensava, pensava, e não pensava em nada. Extremamente cansada do nada. Nada que acrescentava em nada. Com os propósitos jogados por algum canto sujo da casa. Esquecidos dentro de tantas outras coisas. Lixo: lixo velho, lixo novo. Ela já havia dito tudo e por longas semanas. Oscilava entre paciência e ódio. Mistura exótica eu sei. Mas era assim que se sentia: definhando com sentimentalidades inúteis. Apegada ao que não rendia mais. Perdida entre tantas sensações desordenadas. Era a casa, era a casa que nunca conseguia arrumar. Não dependia só dela. Não era apenas a sua função. “You’ve changed, you changed” – Billie repetia. Suas estantes, seus livros, seus cds, suas plantas... Tudo tão sufocado, misturado com as coisas da outra e tanta bagunça, tanta coisa junta que durante semanas já tinha virado descaso. Mas ela não era assim. Queria suas coisas no lugar junto com as coisas da outra. Queria tudo certinho. Pensava tanto, tanto e não pensava em nada. Se falava, não era levada em conta. Se brigava era porque implicava com tudo. Se pedia com meiguice era acarinhada, mas não adiantava nada. Tanta coisa pra nada. Tanta coisa amontoada, tanto entulho. Mordia a maça, tragava o cigarro, golava o café. Medos e a coisa certa a se fazer. Era uma coisa entre conformação e reformatação. Era cansaço de murros em ponta de faca. Cansaço. Repetia. Liquidificou as sentimentalidades bem cedo. Acordou antes. E bateu e misturou e dissolveu todos os pensamentos, sensações, intuições, tudo. Embaralhou tudo para agradar a bagunça de sua casa.
A outra não sabia viver um momento de cada vez. Queria viver todos num só. Nunca quis ir até a porra do fundo. Sim, sim era assim que a outra se referia as coisas quando pensadas e organizadas. O raso é melhor, não precisa ficar fazendo esforço para respirar.
Eram as mãos da outra esfregando as olheiras no batente da porta do corredor. Era o sono do agora vamos lá então chegar além do ponto que você quer. Era o medo do que horas são. Ah bagunça não! Me deixa dormir e cala a boca antes de os teus pensamentos vibrem o ar. E não me olha assim porque não vai rolar. Não vou brigar. Tive uma noite ótima. Ri horrores, dei como há muito tempo não dava e gozei linda e bela, então não venha falar pra arrumar nada. Tô com dor de estômago.
Esta achava que tudo que a outra fazia era cobrar. A casa estava um lixo, mas demora mesmo pra arrumar. Isso é normal. O mais importante é viver. Se está bagunçado é o que menos importa.
Ia tomar uma cerveja no bar, rir com as amigas. E a outra lá: toda preocupada em apontar, pressionar o que sabemos que só se resolve com o tempo. Eu sei. Não estou tomando partido. Era assim que eu via as duas.
- Você vai?
- Se você decidir ao contrario...
- Decidir o quê? O que tem para decidir?
Era o sorriso amargo no canto da boca e agora era “I Don't Stand a Ghost of a Chance With you”. Riu da ironia de Billie também.
- Quando você decidir meu amor... Ando cansada. Olha pra esta casa. Essas pontas de cigarro no chão e aqueles produtos de limpeza em cima da mesa desde as compras de quinta-feira... Aqueles pratos de macarrão de domingo passado... Tuas roupas há uma semana no varal... Tuas latas de cerveja na pia com os meus cafés cansados... Teus sapatos por ai... Tuas roupas por lá...
E mentalmente, bem de-va-gar, repetia: cansaço, cansaço, cansaço – Oh God I’m tired...I’m tired...tired...tired...
- Tudo bem eu vou arrumar. Eu arrumo. Você sabe que eu arrumo - disse a outra - Mas...
- Mas agora não, não é verdade – completou calmamente. Agora não, você está cansada, trabalhou a semana inteira, fudeu comigo a noite toda no meio dos lixos desta casa... Tudo bem meu amor...tudo bem...Como você quiser...
- Que você está levando na bolsa?
- Minhas maças, meu pó de café e meus cds de jazz. Vou deixar você arrumar a bagunça quando quiser. Quando se sentir a vontade com as paredes.
- Pra quê? Tá ficando maluca? Olha aqui você não vai sair assim não. Eu trouxe todos os meus móveis pra esta casa, eu sai da minha pra morar com você. Eu tô aqui me acostumando a esta nova vida com você e não é à toa não e você só sabe dizer que esta casa está um inferno. Ficamos bem apenas por quatro dias e de lá pra cá o que você mais faz é me cobrar. Olha pro quadro que comprei. E aquela maldita estátua de vocalista que você tanto queria. Eu sei, ele tá na caixa há dois meses, mas é seu. Eu comprei pra você. Tudo pra te agradar. Tudo pra te ver feliz. Eu te dei a minha vida nesse curto tempo. Eu me apaixonei por você, tínhamos planos... E agora você vai sair assim? Depois de tudo? Você tá ficando louca... Não, você só pode estar ficando louca...
- Não amor, não é loucura... É só cansaço... É só cansaço...
A outra não sabia viver um momento de cada vez. Queria viver todos num só. Nunca quis ir até a porra do fundo. Sim, sim era assim que a outra se referia as coisas quando pensadas e organizadas. O raso é melhor, não precisa ficar fazendo esforço para respirar.
Eram as mãos da outra esfregando as olheiras no batente da porta do corredor. Era o sono do agora vamos lá então chegar além do ponto que você quer. Era o medo do que horas são. Ah bagunça não! Me deixa dormir e cala a boca antes de os teus pensamentos vibrem o ar. E não me olha assim porque não vai rolar. Não vou brigar. Tive uma noite ótima. Ri horrores, dei como há muito tempo não dava e gozei linda e bela, então não venha falar pra arrumar nada. Tô com dor de estômago.
Esta achava que tudo que a outra fazia era cobrar. A casa estava um lixo, mas demora mesmo pra arrumar. Isso é normal. O mais importante é viver. Se está bagunçado é o que menos importa.
Ia tomar uma cerveja no bar, rir com as amigas. E a outra lá: toda preocupada em apontar, pressionar o que sabemos que só se resolve com o tempo. Eu sei. Não estou tomando partido. Era assim que eu via as duas.
- Você vai?
- Se você decidir ao contrario...
- Decidir o quê? O que tem para decidir?
Era o sorriso amargo no canto da boca e agora era “I Don't Stand a Ghost of a Chance With you”. Riu da ironia de Billie também.
- Quando você decidir meu amor... Ando cansada. Olha pra esta casa. Essas pontas de cigarro no chão e aqueles produtos de limpeza em cima da mesa desde as compras de quinta-feira... Aqueles pratos de macarrão de domingo passado... Tuas roupas há uma semana no varal... Tuas latas de cerveja na pia com os meus cafés cansados... Teus sapatos por ai... Tuas roupas por lá...
E mentalmente, bem de-va-gar, repetia: cansaço, cansaço, cansaço – Oh God I’m tired...I’m tired...tired...tired...
- Tudo bem eu vou arrumar. Eu arrumo. Você sabe que eu arrumo - disse a outra - Mas...
- Mas agora não, não é verdade – completou calmamente. Agora não, você está cansada, trabalhou a semana inteira, fudeu comigo a noite toda no meio dos lixos desta casa... Tudo bem meu amor...tudo bem...Como você quiser...
- Que você está levando na bolsa?
- Minhas maças, meu pó de café e meus cds de jazz. Vou deixar você arrumar a bagunça quando quiser. Quando se sentir a vontade com as paredes.
- Pra quê? Tá ficando maluca? Olha aqui você não vai sair assim não. Eu trouxe todos os meus móveis pra esta casa, eu sai da minha pra morar com você. Eu tô aqui me acostumando a esta nova vida com você e não é à toa não e você só sabe dizer que esta casa está um inferno. Ficamos bem apenas por quatro dias e de lá pra cá o que você mais faz é me cobrar. Olha pro quadro que comprei. E aquela maldita estátua de vocalista que você tanto queria. Eu sei, ele tá na caixa há dois meses, mas é seu. Eu comprei pra você. Tudo pra te agradar. Tudo pra te ver feliz. Eu te dei a minha vida nesse curto tempo. Eu me apaixonei por você, tínhamos planos... E agora você vai sair assim? Depois de tudo? Você tá ficando louca... Não, você só pode estar ficando louca...
- Não amor, não é loucura... É só cansaço... É só cansaço...
Este fragmento foi publicado no antigo endereço piasuja.zip.net que fora excluído.