quarta-feira, outubro 31, 2007

Cheque-mate Subjetivo

Para Tati Bezerra e Daniele Costa: tão fatais em seus cheques-mate.
- Não eu não vou condicionar a minha escrita! Não vou. Eu poderia arrebentar com essas correntes do pudor, da moral da puta que pariu. Sim eu poderia, é eu poderia. Eu a via "ascendendo" um cigarro no outro, frenética. Cada vez que abria a boca cuspia palavras que se debatiam no chão numa convulsão grave, gravíssima. Não me assustava porque sabia o exato momento no qual ela tinha de soltar esses bichos grandes mutantes. Era fase de semi-revolta ou revolta embutida nunca sei.
– Mas eu não entendo por que, não entendo por que essa vida em dois corpos. É como se a minha alma apaixonada pelo completo, pelo intelectual egocêntrico, pela cultura que não é pra todo mundo não, tivesse vontade de habitar um outro corpo e habita. Como se quisesse freqüentar teatros, cinemas, shows de rock, baladinhas de absinto, mandrax, sarais de gente underground, conhecer gente vazia que se acha, gente com conteúdo escondido, gente de conteúdo que se acha, gente que se acha vazia, gente estranha, gente sozinha, buscando, buscando, buscando... Controlava-se ao máximo para não parecer louca e neste momento se sentia falsa em ser a mesma e várias e não mostrar a outra alma tão forte que habitava em si onde justamente os seus eus se dividiam e que agora vomitavam por não ter espaço. Mostrava-se para mim porque as nossas coisas sempre foram muito mais além do horizonte da Terra e quanto mais abismos melhor. Gostava dos abismos com ela, dos abismos dela. Gostava. Eram espelhos para mim e eu via junto com ela infinitos caminhos, infinitos mesmos caminhos que já não sabia se era dela para mim ou ao contrário, ou do avesso.

- Sabe meu Rei, esse segundo balde de café é para o meu outro corpo não é para mim. Quem dera fosse assim: Hei - Leis Universais - preciso de um outro corpo nessa vida porque a minha alma se prolifera. Tudo agora precisa ser dobrado porque tenho duas almas, não vê? Uma normal outra que levita e elas não se dão bem no mesmo espaço. Elas se detestam se cospem se agridem se desprezam e eu me pergunto onde, onde meu Rei, eu entro nessa história. Eu tenho mais é que separá-las senão dá briga, senão dá morte e se eu morrer metade nunca terei a chance de ao menos tentar ser completa. E tá tão difícil o ser e o estar com estas duas se batendo se mordendo se matando.
– É amor retraído – disse eu rindo da cara dela de quem caiu do caminhão da mudança, bateu a cabeça no meio fio e agora vaga sem identidade – Na verdade, elas estão loucas para se chupar. Caiu em uma risada insana e muda.
Era branquinha e fina e tremia. De gastrite, de nicotina. Eu ria por dentro, sorria por fora. Era louca assim que eu gostava porque assim crescia. Era essa falante desvairada que adorava: era o olhar de absorção que ela gostava.
E ainda rindo com as mãos nas lágrimas – É parece arena medieval, dois cavaleiros em combate; parece arena medieval e o imperador com o dedão oras para cima oras para baixo definindo morte e vida num gesto sou eu. Mas são almas e almas voltam e disputam o espaço no corpo de outros cavaleiros ou gladiadores em outras situações, em situações avessas sei lá. Em situações onde uma se destaca mais que a outra e tal. Parece jogo de xadrez onde as duas almas não saem do “cheque”. E eu não quero o “cheque-mate”. Não escolho hoje uma a outra. Não posso. Já cheguei até aqui e não posso pedir pra sair da arena senão a população de Roma me mata a pau a pedrada.

Curta o jogo – eu disse. Por mais embaraçoso. Curta o jogo. Saberá equilibrar bem Pequena. Ela balançava a cabeça num leve desespero. Ela balançava a cabeça num capricho infantil. - Eu queria ser o jogo – não disse. Queria ser o jogo principal do teu conflito de almas – não falei.
- Mas você sabe – ela disse – você sabe meu Rei que não vivo sem esses conflitos subjetivos – riu imóvel. Ficamos fixos. Imóveis na mesinha da cozinha pequena.
As coisas depois de muito atrito, depois de muita especulação caem num silêncio que reverbera, que se prolonga... Era o quinto sexto cigarro. Era o terceiro quarto balde de café...
Este texto foi publicado no antigo endereço piasuja.zip.net que fora excluído.

10 comentários:

Anônimo disse...

André

Bem... você pediu para que eu comentasse... e obrigado pela consideração... Não sei se você está mais madura ou se há mais firmeza em tua mão... Adorei o texto... tem um misto de muitos daqueles que adoro... e ares de novidade, frescura, que fazem bem ou muito mal aos olhos e à alma... Não é uma leitura tranqüila... pois ela vagueia entre conceitos e pré-conceitos entrelaçados na fumaça dos cigarros e no fluxo (vivo, humano, ágil) do seu texto... Quando li, vários outros textos perpassaram a minha leitura, fragmentos dos meus vários "eus", que também dialogam com seu texto e com ele interagem, como já disse, não muito facilmente... assim como penetrar o desconhecido, o não habitado, o não óbvio, o que se está por descobrir... E essa descoberta é uma forma incrível de felicidade... e como diria Clarice: ao terminar de ler este livro cantai por mim uma aleluia... Aleluia Irmã... rs... Beijos

08/11/2007 13:37

Anônimo disse...

Rafaelle

olá! prometi comentar já faz um tempinho né , mas vc sabe que eu adooro os teus textos só to comentando pra dizer que estive por aqui e tive uma instigante viagem nos teus versos (ah adorei tua atitude ontem isso é q é mulher de personalidade hein hehe) bjus

05/11/2007 16:28

Anônimo disse...

Mi

Belo texto, bela disputa. Duas almas conflitantes q vivem degladiando entre si, mas q não se separam. Seus textos me são muito familiares ... Saudades

02/11/2007 19:47

Anônimo disse...

Diana Sandes

"as almas são incomunicaveis", diria o poeta. eu acho que se comunicam demais (pro bem e pro mal, mas sem maniqueismo). tb andei escrevendo coisas novas :) bjos

02/11/2007 01:33

Anônimo disse...

Alexandre

A busca insana da Blogueira através doos seus textos e crônicas do "tudo" e do "nada", da "satisfaçãos e da "insatisfação" são o que tornam tão prazeirosa a leiturra e escrita da mesma.

01/11/2007 16:29

Anônimo disse...

Marcela

De onde sai tanta criatividade e palavras tão tocantes. Amei, parabénsssssssss!!! Bjssssssss

01/11/2007 16:16

Anônimo disse...

Roma !!!

Vc e fogo mesmo ne !! Sabe espressar aquilo q passa na minha cabeça e não consigo escrever . Vc realmente dem o dom !!! As vezes me sinto exatamente assim tenho essa sensação de não ser compriendida , de viver em dois corpos ,como se a minha outra metade estivesse longe vivendo aquilo q não consigo aqui.Vc mandou na hora certa essa mensagem ,pois assim não me sinto tão louca sozinha ,sei q isso pode realmente acontecer . BOM FERIADÃO!!TE CURTO POR ISSO !!!

01/11/2007 13:08

Anônimo disse...

Silvião Côrtes

Como sempre Isabelle! Criativa insana, sem pudor nas palavras, sem meias palavras pra vida. Me apaixonei por esta pia suja. Que ela nunca se lave da liberdade de dizer os que os recalcados escondem no fundo de seu medo! Esse texto ficou "um tesão"! Grande beijo. PS: Observe suas vírgulas, melhora a ênfase do texto (desculpe, mas você escreve tão facil e degustável que preciso ver tudo isso mais que perfeito)! Outro beijo! http://silviao.cortes.zip.net

01/11/2007 13:06

Anônimo disse...

Estrela

...Desde que nessa divisão, não se crie ilusão de algo que não é, achará outra vez o meio, a balança, o inteiro pra habitar o mesmo corpo...observe, observe, observe... Ps. O texto ficou foda, olhou pra dentro e vomitou com suavidade, cheia de tons, mas suaves! Essa pia suja tem gotas e pingosreflexos tão profundos, quase um diário subentendido, de alma...admiro suas Isabelles, adoro suas paixões!

01/11/2007 01:05

Anônimo disse...

Obrigado por intiresnuyu iformatsiyu