terça-feira, abril 08, 2008

A DROGA RIA

Para Tatiana Bezerra
Parei com as drogas. Intravenosas de veneno almático contaminava o perispírito. Às vezes, injetava pelos órgãos sexuais. Aí era piração pura! O barato perdurava mais tempo. Sentia correr no sangue e sentia por horas que nunca mais poderia parar. Pensei em casar com a droga, jogar a minha vida fora e me trancar em um quarto com as mais belas heroínas com as suas línguas de agulha e transar com todas até morrer. Não poderia viver mais sem. Nas crises, quando faltava, pirava de novo. Ficava instável, alucinada, perdia os eus do controle de mim. A agressividade era combustível porque sabia que assim que injetava de novo seria tudo maravilhoso. Confesso: me tornei viciada. Confesso agora o que pode parecer óbvio, mas na época não enxergava. Era muito mais forte que eu. Sabia as conseqüências: envelhecimento acelerado, surdez, cegueira. Noradrenalina: meu ópio na caixinha do corpo físico alvo. Acelerava meus batimentos, minha respiração. Eram orgasmos de kundalini. Ficava fora da realidade e pensava no começo: é para aliviar a dor, a ansiedade, aumentar a auto-estima. Solidão é uma merda, meu! Potencializava com o álcool para elevar o risco de overdose. Misturava as drogas no que chamam de "speedball". Os efeitos eram mais duradouros e intensos. Cheirei até perder as narinas, fumei até estourar os pulmões, bebi até não ter mais fígado, baforei até não ter mais saliva. Eu precisava. Achava que com isso eu poderia mudar. Achava que eu dominava a droga. A droga ria de todas as minhas ações por mais que eu tentasse dialogar. Eu achava que podia. Me tornei apática, letárgica, deprimida e obcecada. Quando já cansada, sem energias até para me picar, percebi que a droga jamais iria mudar. E quando já sem dinheiro, com tudo vendido e falido, família, amigos, trabalho tudo perdido, e mesmo assim eu não abandonei a droga: a droga me abandonou em uma das minhas alucinações. Vi que era a melhor coisa que ela fazia - me deixar. Passei pela terrível crise de abstinência: calafrios, convulsão, vômitos, vontade de morrer. Me internaram, foi bloqueado qualquer tipo de contato externo. Dias até nascer novamente. E depois de tudo e por hoje estar limpa, dei por mim que droga é droga e ponto. Ainda tenho droga nas minhas veias. Existem várias delas por aí, se tornou um mal necessário. Fumo só meu baseado, meu cigarro, e me contento com o mínimo/máximo de mim: me drogo com o meu eu ex-drogado.

3 comentários:

Tatinha Leoa disse...

Que honra a minha, ter um texto tão forte, denso, visceral e acima de tudo que nos faz pensar dedicado a mim....só você para escrever com tanta alma e conseguir demonstrar fraqueza e força de uma só vez. Parabéns amiga e muito obrigada por mais uma obra prima sua ser dedicada a mim. Te amo hoje e sempre

Anônimo disse...

concordo em gênero, número e grau com a Tatinha Leoa... a Isabelle tem talento... e seus textos decifram códigos de pessoas com sensibilidade a flor da pele!!! bjao menina!!!

Anônimo disse...

Isa, sem palavras, sabe elas não costumam me faltar, mas dessa vez sustituí-as por um esboço de lágrima no canto interno do olho esquerdo. Sabe, você trouxe a tona um sentimento muito profundo de um passado não muito distânte, onde pude transar com elas por anos e anos trancado no quarto escuro de uma vida apática e desajustada. Você é demais, eu amo você! Parabéns e toda a PAZ do mundo!